20/06/2012

Pontuação menor?!...

A pontuação serve para muita coisa, mas cumpre sobretudo duas grandes funções: organizar ideias (conteúdo) e conferir expressividade ao texto (forma). Depois, há regras, convenções, padrões, conselhos e curiosidades que podemos cumprir, seguir, quebrar ou não. 

Em 2012, diz o espírito do tempo que devemos ser económicos no uso da vírgula e de outros sinais que tais. Inclusivamente, não há muito, houve quem desdenhasse dos pontos de exclamação. Época de austeridade, portanto.
Dessa vez foi ponto exclamativo, mas os trigémeos siameses (sim, que as reticências são um único carácter) também são rotineiramente alvo de ataques. Que não precisamos deles, que mostram sentimentalismo excessivo, que são uma bengala para os coxos do estilo. 
É certo que muita pontuação expressiva se faz sem estilo e que muito estilo se faz sem ela, mas parece-me bacoco pensar que as duas coisas são proporcionalmente inversas.
 
Leio com frequência recomendações do género: «Não ponha nada entre parênteses que consiga pôr entre travessões, e se consegue pô-lo entre travessões é porque consegue pô-lo entre vírgulas.»*
Os constrangimentos apelam ao engenho, mas isso, em si, não é estilo é mero exercício. O estilo, quando existe, pode ser extrovertido de muitas maneiras, sem pontos exclamativos ou com mil. 

 Se temos fome e há um bolo à nossa frente, porque não comê-lo? Se nos fazem falta os dois pontos, porque havemos de os reter no bolso a bem de um qualquer ideal estético? Pode ser precisamente esse o sinal que nos leva lá!

É por causa dos excessos que almas mais sensíveis apelam à abstinência.** Não devemos ficar presos a exortações pretensiosas, mas também será avisado não cair em exageros. Um ponto de exclamação mostra surpresa, dois mostram muito mais, três é um viva! e quatro é demência. Reticências sem fim são suspiros pueris, pontos de interrogação sucessivos costumam ser desnorte, parêntesis desnecessários são falta de jeito e travessões só porque sim costumam dar asneira. Assim, o que importa é saber o que se está a fazer e porquê. Pontue como quiser, mas com consciência. Saiba o valor de cada sinal e saiba porque o pôs lá. Faça como entender, só não o faça à sorte. 

Os extremos raramente ficam bem, nisso podemos todos concordar, já que quase sempre significam desarmonia. De resto, desde que se cumpram as regras básicas e se diga exatamente o que se quer dizer com ela, a pontuação é para ser usada a gosto. Entre o minimalismo da nouvelle cuisine e a abundância da paelha de Villarriba, há um leque de sabores que devemos poder provar sem complexos. Menos nem sempre é mais. Quanto mais sinais de pontuação, mais combinações possíveis, maior diversidade, mais escolha, mais liberdade. Basta encontrar o ponto de equilíbrio. 

E se no fim tiver dúvidas, pergunte a um revisor, a um editor, a um amigo ou conhecido se o prato está bem temperado, se precisa de mais sal ou se é preciso emendar a mão.


* Há também muitas recomendações parecidas relativas a aspas, itálicos, sublinhados e negritos.
** Perdi a conta ao número de vezes que li coisas do género: «Desculpa… estou atrasada!?!?!! Fiquei presa no trânsito..... nem sei o que dizer??!?!!!........» Naturalmente, torna-se mais difícil levar a sério quem se exprime assim do que quem opta por uma via mais sóbria…

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